Entrevista com Recordista Karol Meyer


 

 
Pernambucana de nascimento e catarinense pelo sotaque cantado do sul do país, Karoline Mariechen Meyer engana a todos que passam pelo balcão de atendimento de uma das agências da Caixa Econômica Federal em Florianópolis, onde ela trabalha rigorosamente todos os dias. Alta, cabelos louros e olhos verdes - nem precisa dizer o quanto é bonita - a atendente de dúvidas gerais do banco, que sorri o dia todo, é na verdade a recordista mundial em Apnéia Estática, com 6min13seg, realizados em julho do ano passado.

Pouco? Não, ela também já bateu o recorde Sulamericanos de Lastro Constante (-50 metros em lago), e teve aulas e orientações com os melhores apneístas do mundo - como Pipin, Umberto Pelizzari - e deve ir para a o Mundial de Apnéia na França, na seleção de brasileiros que disputará as melhores marcas do evento mais importante do mundo.

Para entendermos melhor o mundo desta atleta profissional, que se dedica para a carreira de apneísta e instrutora para os mais diversos esportes na arte de ficar debaixo d' água - sem respirar - o 360 Graus entrevistou Karol ainda em treinamento para a seletiva do Mundial, que será em 14 e 15 de setembro, em Sorocaba (SP). Cheia de vida, histórias e viagens pelo “sub mundo”, Karol é a autêntica marca brasileira nos mares, lagos e piscinas que marquem recordes mundiais. E uma bela marca, diriam os mais observadores.


360 Graus - Karol, faça uma pequena apresentação sua...
Karoline Meyer - É bem diversificada diria... (risos). Sou formada em Direito, fiz Escola da Magistraura e tenho especialização em Direito Empresarial. Também sou bancária na Caixa Econômica em Florianópolis. Na área esportiva pratiquei vários esportes, desde atletismo (corrida de fundo) ao basquete, vôlei e handball. Também pegava onda de bodyboard em Florianópolis. No mergulho livre, passei seis meses na França, onde treinei e fiz curso de instrutora e juíza pela AIDA Internacional. Viajei para Inglaterra, Bélgica, Suíça, Ilhas Caymans, em que ministrei cursos e fui juíza de atletas que tentam recordes em apnéia.

360 Graus - Você sempre gostou de mergulhar, desde pequena, ou é uma paixão recente?
Karol - Não é recente não. Desde pequena, vivia na água, na piscina, no mar, nos rios, adorava qualquer lugar... que tivesse água!

360 Graus - O que mais lhe atrai: o mergulho como turista, apreciadora das belezas do mar, ou a competição?
Karol - Hum, difícil responder. Acho que o mergulho como turista traz um tipo de retorno, sabe? Recentemente tive o prazer de mergulhar com meu namorado em Garopaba, na praia do Siriu, onde ficamos mais de uma hora sendo analisados por duas baleias Franca! Foi maravilhoso, como fazer um recorde! Acho que a sensação foi ainda maior que a de fazer um recorde.

Sempre tive paixão pelos animais marinhos, o fato de estar ali, do lado da baleia, ver este animal imenso e dócil me olhar, mergulhar ao meu redor como se quisesse descobrir o que eu era... aquilo é inesquecível, o coração estava a mil por hora!!! A cena ainda está na minha cabeça, ficará para sempre.




360 Graus - Então o seu mergulho não depende apenas de recordes e limites, mas também de emoções...
Karol - Sim! Os recordes não são eternos, as lembranças sim... foram momentos muito gratificantes, ainda quero conquistar novas marcas para o Brasil se conseguir mais apoio. O fato de se superar, lutar contra as adversidades, nos torna mais fortes. Aprendemos no mergulho livre que um dia estamos bem, em outros não, um dia temos uma marca, no outro podemos perdê-la. E aprendemos a lutar, nunca desistir e nos tornarmos pessoas lutadoras em todas as situações da vida e não apenas dentro da água.

360 Graus - Qual lugar mais lindo que já mergulhou?
Karol - O Mar Vermelho, no Egito.

360 Graus - Na sua opinião, os mergulhos mais fundos são os bonitos?
Karol - Depende do ponto de vista. Para se ver fauna e flora, os mais rasos são os mais belos, com mais cores. Agora falando como atleta, a profundidade nos atrai de tal forma, que não precisamos de mais nada além do azul, do silêncio, da paz e, é claro, se encontrarmos algo no caminho, será bem vindo. Muitas vezes descendo ou subindo encontrei cardumes, golfinhos, plânctons gigantes, focas. Aí, quando conseguimos unir o lazer com o esporte é perfeito.

360 Graus - Quando começou a competir e como foi o caminho até a AIDA - Associação Internacional para o Desenvolvimento da Apnéia?
Karol - Iniciei em 1998, com tentativa de marca nacional, depois entrei em contato com o recordista mundial Andy Le Sauce e com outros franceses via website da AIDA France. Eles acompanharam a minha evolução - tudo via internet - e acabaram me convidando para treinar. Só não sabiam que eu vivia no sul do Brasil, tão longe do sul da França! Mas eu aceitei o convite, arrumei tudo e fui.

360 Graus - Em que as técnicas de apnéia podem ajudar no mergulho livre e nos outros esportes sub?
Karol - Podemos ficar mais tempo no mar e junto a seus habitantes se formos mais fundo nas técnicas de respiração. Além disso, a apnéia nos ajuda a lidar com a ansiedade, e a nos livrar de situações de risco no mar. Não é a toa que muitos surfistas estão buscando pelo meu curso, assim como pessoas que possuem problemas de ansiedade. Para fazermos uma boa apnéia, temos de aprender a respirar... é paradoxal, mas é isso mesmo, então, respirando bem, acabamos vivendo melhor.

360 Graus - Então os cursos técnicos para mergulhadores, surfistas, e outros esportistas ajudam a desenvolver a capacidade cardiorespiratória?
Karol - Sim, no curso eles aprendem que os vários tipos de atividades aeróbicas como natação, ciclismo, corrida, fazem com que o coração e pulmão fiquem mais fortes. E que o mergulho em si não desenvolve esta capacidade, mas a combinação dos esportes aperfeiçoa.

360 Graus - Quais lugares você indicaria para mergulho livre num estilo mais aventura?
Karol - Sou meio suspeita para falar. Lugares como Abrolhos e Bonito são excelentes pontos de snorkeling, assim como mergulho autônomo. Em Bonito, para entrar em determinadas cavernas, até precisamos de curso autônomo específico. Mas no estilo de descobrimento do meio ambiente eu indico descer o rio da Prata.

Fiz isso na companhia de gigantescos peixes Dourados e Parus, só na apnéia. É fabuloso! Então a apnéia ajuda muito, pois podemos ficar namorando os peixes por mais tempo (risos). Apaixonei-me por um Dourado que seguiu corredeira abaixo no Rio da Prata, em uma parte que não podíamos seguir por dentro d’água. Mas acabei o encontrando mais tarde e fiquei alguns segundos ao seu lado... é um peixe muito bonito e inteligente.

360 Graus - Qual a diferença da técnica dos cursos de apnéia dos mergulhadores para os surfistas?
Karol - Tenho dois tipos de curso, que procuro administrar entre meu treinamento e trabalho no banco. São cursos de final de semana. Um específico para mergulho livre (iniciantes e de nível médio) e a continuação dele para mergulhadores avançados, a partir de 2003. No curso de lastro constante, ensino técnicas de treinamento específicas para esta disciplina de profundidade.

Já no curso para surfistas, ensino apenas a apnéia estática e dinâmica, que eles utilizarão nas horas de aperto... Ao praticarem o surf em mares radicais, também passo noções de técnicas de compensação e respiração. A programação pode ser vista no meu site - http://karolinedaltoe.tripod.com

360 Graus - Por que a modalidade de Lastro Variável na apnéia lhe atrai tanto?
Karol - Porque podemos associar duas modalidades, a Apnéia Estática ao Lastro Constante. Durante a descida, posso ir mais fundo que no Lastro Constante porque não faço esforço. Assim, desço agarrada num aparelho com 30 quilos de lastro e, ao chegar no fundo, começo a praticar o Lastro Constante mesclado com a Imersão Livre, para poder chegar à superfície. Por isto gosto da modalidade, que une todas as outras.

360 Graus - A prática constante do mergulho livre modificou sua vida em algum aspecto?
Karol - Sim, mudou muito...sou uma pessoa mais calma, que aprendeu a lidar com as vitórias e derrotas. Sei que não adianta ser um campeão e não saber reconhecer as derrotas - no meu caso um apagamento que tive de aprender a lidar psicologicamente. Existem dias em que você não está bem, quer fazer as mesmas marcas de sempre e simplesmente não dá! Aí entra a compreensão, a persistência... Hoje sou uma pessoa bem mais persistente do que antigamente.

A luta pelo patrocínio e a tentativa de conciliação de trabalho, lar e esporte acaba sendo estressante. Aprendi que na vida temos de fazer opções e hoje é muito gratificante ver o reconhecimento dos colegas de trabalho, os amigos e pessoas que me admiram e que mandam emails de apoio de todas as partes do Brasil e do mundo. Isto me dá forças para vencer a luta do dia a dia e buscar novas marcas.

360 Graus - No passado, você imaginava que poderia ser uma grande vitoriosa, com recordes na carreira?
Karol - Não, mas nunca me imaginei uma pessoa derrotada, sempre fui dedicada na escola, no esporte, em que eu estava queria dar o melhor de mim. A imagem de meu pai, sempre ajudou, ele até hoje é um exemplo de saúde, de cuidado com o corpo e eu procuro segui-lo. Desta forma, acho que fui conquistando as marcas, progredindo.

Sei que os recordes não são eternos, por isso entro na água para fazer o melhor naquele momento. Se estiver no dia certo, na hora certa, o que eu treinei se transforma em vitória! E um novo recorde será registrado... Vale ressaltar que no mergulho livre precisamos de muito apoio, a segurança é fundamental. Jamais ficamos sozinhos; cada marca devo a muita gente que esteve ao meu lado e não apenas ao meu próprio esforço.

360 Graus - Como é o apoio do esporte no país? Você teria como comparar com os eventos no Exterior?
Karol - >Começamos a ter apoio neste ano, mas precisamos de mais apoio para realizar eventos maiores, como campeonatos sulamericanos, nacionais, open, tentativas de recordes mundiais. O esporte começou na Europa, onde acontecem várias competições. Se tivéssemos mais apoio nos treinos, a equipe brasileira poderia ter mais experiência para eventos internacionais como esses.

360 Graus - Houve algum momento de sua vida como competidora que teve medo?
Karol - Sim, várias vezes, mas o importante é a reação que segue ao medo: a coragem. Costumo citar as palavras de Nuno Cobra : a coragem é sentir o medo que enrijece a alma e poder de enfrentá-lo da melhor forma possível. O fato de não recuar ao senti-lo, perseguir seu objetivo, tentar e então teremos a oportunidade de nos superar. Teremos a recompensa lá no final.

360 Graus - Karol, para terminar essa longa entrevista, uma curiosidade nossa: você observa a vida marinha ou pensa em algo quando está debaixo da água na prova? Ou permanece sem pensar e olhar para nada, no caso de mergulho em um lago?
Karol - (Risos). Já ocorreram várias situações que eu possa exemplificar melhor. No primeiro recorde mundial, em no mar de Nice, com ondulação, nos primeiros 3min30 eu abria os olhos e via os pequenos peixinhos entre as pedras, isto me distraía muito. Já quando estamos na piscina, não há muito que ver (risos), então fechamos os olhos e damos asas à imaginação. Depois nos concentramos nas mais variadas formas.

360 Graus - Como por exemplo...


Karol - Como nos mergulhos em lagos. Mesmo sem haver vida, como é o caso da Pedreira de Salto de Pirapora (SP), onde treino nos finais de semana, existe o azul da água, a profundeza tudo isto nos distrai... num determinado momento descemos de olhos fechados, depois abrimos e apreciamos a diferença de tons do azul, a perda da luz, o cabo que nos acompanha, o frio, e enfim o disco, local que marca o fim da descida. É muito bom vê-lo.

Então me resta concentrar na subida que é a parte mais sofrida, trabalhamos a musculatura com pouco oxigênio. Não podemos ver mais nada senão tentar se concentrar na subida e lutar psicologicamente para não apagar, não se entregar! Isto é claro se a descida for uma tentativa de mergulho máximo, ou seja de performance.

Se for uma descida mais leve, podemos descer em duplas as profundidades menores. É uma sensação muito boa de ver seu amigo lá com você, mas sem ser displicente porque precisamos sempre dar atenção aos movimentos eficientes com pouco gasto de oxigênio. Agora nas provas de marca de profundidade e recordes, fecho os olhos e me concentro no corpo, nos movimentos corretos, não há tempo para mais nada.

Karol Meyer é patrocinada pela Mormaii, Neoprene Brasil, Yogashala e Racer Academia, e tem os apoios da Caixa Econômica Federal, Ibis Hotel, Fórmula Academia de São Paulo e Diving College.

360 GRAUS

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